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No dia 11 de novembro de 2016, o mundo da música viveu um dia triste. Naquela data, lamentamos a morte do cantor, compositor e poeta canadense Leonad Cohen. Sabe-se que 50 dos 82 anos de vida de Cohen foram dedicados à carreira artística. Ao longo de 21 discos, imortalizou clássicos como  “Suzanne”“You Want It Darker” e “Hallelujah”.

E por falar em “Hallelujah”… estamos lidando com uma das obras musicais mais emblemáticas do século XX. Trata-se de uma canção instigante, profunda e envolvente. Neste post, nós desvendaremos o significado da letra, estabeleceremos comparações entre versões e conheceremos algumas curiosidades sobre essa música tão importante para a cultura pop.

Prepare o seu café [ok: pode ser mate, chá, ou qualquer coisa que o valha ], abra sua mente, respire fundo e boa leitura!

O que é “Hallelujah”?

Antes de mergulharmos na questão da música, precisamos entender que “Hallelujah” é uma palavra de origem hebraica cuja significado quer dizer “louvai a Deus”. No que diz respeito à etimologia, podemos fatiar a palavra em duas partes: “hallelu” [“louvai”] e “jah”, uma forma abreviada de “Yahweh” – um dos nomes de deus.

Nas tradições cristãs usa-se a forma latina da palavra, “Aleluia”, em diversos momentos de louvor a Deus. No judaísmo, segundo o site Cultura Genial,“Hallelujah” é um termo usado para começar ou para terminar os salmos.

Dito isso, chegou a hora de destrincharmos os mistérios por trás da magnífica canção “Hallelujah”.

Leonard Cohen, o sacerdote de fé abalada

A gravação original de “Hallelujah” é a primeira faixa do lado B do disco“Various Positions”, de 1984. O álbum aparece como sétimo trabalho de estúdio da discografia de Leonard Cohen.

Trata-se de uma música sobre fé e espiritualidade, com muitos questionamentos acerca da religiosidade. Narrada em primeira pessoa, a canção é dirigida a um destinatário [Deus] que é questionado o tempo todo. O narrador demonstra ser um sacerdote, mas sua fé parece abalada.

Ao longo de quatro estrofes, a letra da música é carregada de referências bíblicas. Ao longo dos versos, Cohen lida com trechos dos “Salmos de David”, com fragmentos do livro de “Juízes” e cita um dos “10 mandamentos” que, segundo as tradições religiosas, Deus entregou a Moisés.

Dê o play e confira a versão original da música:

Agora que ouviu a música, confira uma tradução livre e uma interpretação dos versos de “Hallelujah”.

Primeira estrofe – Oh, Rei David

Eu ouvi dizer que havia um acorde secreto
Que Davi tocava e agradava ao Senhor
Mas você não liga muito para música, não é?
É assim: a quarta, a quinta
A menor cai, a maior ascende
O rei perplexo compondo Hallelujah

Temos no primeiro verso uma clara referência aos “Salmos de David” e também à própria música. Conforme dito linhas acima,  “Hallelujah” é uma forma de começar ou terminar os salmos de David. A “quarta” e a “quinta”, a “menor” e a “maior”, são as notas da escala musical que constroem a melodia da música, incluindo a parte do refrão.

Segunda estrofe – Traições

Sua fé era forte, mas você precisava de provas
Você a viu se banhando no terraço
A beleza dela e o luar arruinaram você
Ela te amarrou à cadeira da cozinha
E ela destruiu seu trono e cortou seu cabelo
E dos seus lábios ela tirou o Hallelujah

A estrofe começa citando o episódio bíblico em que o Rei David, ao ver uma mulher tomando banho, se apaixona por sua beleza e comete adultério com ela, o que desagrada os olhos Senhor.

Na sequência, há uma referência ao caso de traição que envole Sansão e Dalila. Sansão era um juiz de Israel agraciado com uma superforça (mais alguém aí se lembrou do Hércules e do Superman?) que foi cedida a ele pelo Espírito Santo para proteger o povo dos ataques dos filisteus. Ele se casa com Dalila, uma filisteia dona de beleza física incomum. Em um dado momento da história, ela corta o cabelo de Sansão, que era a origem da sua força, e entrega o marido aos seus inimigos.

No último verso, o uso do termo “Hallelujah” nos faz entender que Dalila tinha Sansão na palma da mão. Fascinado pelos encantos da esposa, ele simplesmente louva a Deus pela traição.

No fim das contas, temos em comum homens importantes da Bíblia que são traídos por seus próprios desejos.

Terceira estrofe – Cohen, o questionador

Você disse que eu usei o nome em vão
Mas eu nem mesmo sei o nome
Mas se eu disse, bem, o que isso significa para você?
Existe um raio de luz em cada palavra
E não importa qual dela você ouviu
A Hallelujah sagrada ou a partida

A terceira estrofe faz uma a referência ao terceiro mandamento: “Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão”.

Segundo a tradição judaica, não é permitido nem mesmo falar o nome de Deus. Desta forma, as menções ao criador se dão por meio de outros termos. Porém, de acordo com algumas correntes de estudos, o nome de Deus não era mencionado porque era simplesmente impronunciável.

Nos versos acima, Cohen questiona qual é o real o significado do nome de Deus. Ele afirma que toda palavra possui “um raio de luz” e assim justifica o uso de qualquer palavra, ainda que ela seja terminantemente proibida.

Quarta estrofe – arrependimento e reflexões

Eu fiz meu melhor, mas não foi o suficiente
Eu não pude sentir, então tentei tocar
Eu havia dito a verdade, eu não vim aqui para te enganar
E mesmo que tudo tenha dado errado
Eu vou me prostrar diante da música do Senhor
Sem nada na minha língua além de Hallelujah

Buscando sua redenção, Cohen guarda para o último verso a confissão de suas falhas. Ele reconhece ser um homem insensível e assim coloca a própria fé em xeque mate. Posteriormente, ele se redime com a revelação de sua honestidade e encerra a conversa se prostrando diante do louvor a Deus.

“‘Hallelujah’definitiva” de Jef Buckley

Ainda vivo, em 1991, Leonard Cohen foi homenageado com um tributo em forma de disco. Batizada “I’m Your Fan”, a obra reúne estrelas da música reverenciando a obra de Cohen. Ficou nas mãos e talentos do músico britânico John Cale a responsabilidade de gravar “Hallelujah”. Em sua versão, Cale optou por usar apenas vocais, piano, e meio que uma compilação dos versos que Cohen tinha apenas tocado ao vivo.

A versão de Cale reverberou e chegou aos ouvidos do músico americano Jeff Buckley. Inspirado no cover de seu ídolo britânico, Buckley gravou uma das mais conhecidas versões de “Hallelujah” em seu álbum de estreia — e seu único realmente completo — “Grace”, lançado em 1994. Para muitos entendidos do riscado, a “versão Buckley” é a versão definitiva da canção.

Como você conferiu linhas acima, a versão de Leonard Cohen tem quatro estrofes. Por sua vez, a de Jeff Buckley possui uma estrofe a menos. Juntas, as duas versões são compostas por sete estrofe diferentes.

Dê o play e confira a “Hallelujah definitiva”:

Quando comparadas, as canções são consideravelmente distintas. Os versos adicionais propostos por Buckley se distanciam um pouco dos originais de Cohen. Por mais que ainda apresente a temática da espiritualidade, a canção assume um tom confessional e é adaptada para as questões de relacionamento amoroso.

A seguir, você confere uma tradução livre e uma interpretação dos versos que Buckley trouxe para a “Hallelujah” dele.

Primeira estrofe – O amor sombrio

Mas querida, eu já estive aqui antes
Já vi esse quarto e já andei neste chão
Você sabe, eu costumava morar sozinho antes de você
E eu vejo a sua bandeira no arco de mármore
E o amor não é uma marcha da vitória
É uma Hallelujah fria e partida

A questão de relacionamento amoroso está mais em voga do que a espiritualidade. Observe, inclusive, que destinatário é citado como “baby”, um adjetivo carinhoso. O autor começa contando sobre como ele conhecia aquele determinado lugar antes mesmo de conhecer o destinatário. A quadra também apresenta versos que retratam o amor de forma sombria e quebrada.

Segunda estrofe – Lembrança dos bons tempos

Então existiu um tempo em que você me deixava saber
O que realmente está acontecendo por dentro
Mas agora você nunca me mostra isso, não é?
Mas lembre-se quando eu me mudei para você
E o pomba sagrada estava se mudando também
E toda a respiração que esboçava-mos era uma Hallelujah

Nota-se um resgate da memória de quando o relacionamento estava nos trilhos e o casal vivia em harmonia. O canto faz uma referência à pomba sagrada que pode ser vista como o Espírito Santo. Naqueles bons tempos, o entendimento regia o relacionamento e cada respiração do casal significava uma “Hallelujah”.

Terceira estrofe – Nietzsche aplaude

Talvez exista um Deus acima
Mas tudo o que eu aprendi sobre o amor
Foi em como atirar em alguém que destruiu você
E não é um choro que você escuta a noite
Não é alguém que vê a luz
É uma Hallelujah fria e partida

Observa-se aqui o momento mais niilista da letra. De forma literal, o último verso é um questionamento da fé. A presença do Deus cristão é questionada e o amor é apresentado como um gesto de violência e não de paz. A última “Hallelujah” é entoada de uma forma triste, por alguém que parece desconhecer a luz da espiritualidade.

Mais curiosidades sobre “Hallelujah”

Se você chegou até aqui, certamente observou que “Hallelujah” é uma música cheia de curiosidades. Porém, os fatos únicos em torno da canção parecem não ter fim! Continue por aqui e descubra mais um monte de informações interessantes sobre essa obra-prima.

Pra começar, “Hallelujah” ocupa a 259ª posição na lista das 500 melhores músicas de todos os tempos da revista Rolling Stone. A canção está na frente de pérolas do naipe de “White Rabbit”, hino hippie da banda Jefferson Airplane“Welcome do The Jungle”, o dedo na ferida do Guns N’ Roses; e “Sabotage”, do grupo Beastie Boys, uma música que ajudou a definir o hip hop.

Segundo Leonard Cohen, a letra demorou um ano para ficar pronta e surgiu no meio de um processo difícil e frustrante. Para chegar no resultado final, o autor afirmou ter redigido pelo menos 80 versos!

A canção já ganhou versões de artistas dos mais variados segmentos da música. Além dos registros citados neste post, “Hallelujah” também ganhou vida no hard rock do Bon Jovi, no R&B pop de Alexandra Burke, no gospel contemporâneo do brasileiro Jotta A, no prog do Pain of Salvation, entre muitos outros. Inclusive, para finalizar sua leitura com chaves de ouro, você pode dar o play e aprender a tocar a versão de Rufus Wainwright.

 

FONTE: TERRA, por Gustavo Morais

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